Boa parte de nossas vidas vivemos de imaginar papéis e de tentar vivê-los, de atribuir papéis aos que nos cercam, e esperar que os vivam. Isto é ainda mais evidente quando se fala de pais e filhos.
A maioria dos pais e mães tem uma imagem de paternidade e de maternidade construída ao longo dos milênios e do processo educativo e social, das influências da mídia e dos pais que teve, e projeta para si um ideal de conduta perante os filhos. Mesmo quando discordamos dos pais que tivemos e decidimos adotar outras maneiras de agir, ainda assim não podemos negar que o que fazemos tem relação com o que fizeram.
Muito do que projetamos para nós também tem a ver com o modo como queremos ser vistos no nosso círculo de relações (família, colegas, amigos): cuidadosos, previdentes, interessados no bem-estar e no futuro dos filhos.
Mas se pararmos para pensar no papel de pai que decidimos viver, encontraremos nele certas características: é afetuoso ou distante, preocupado ou laissez-faire, flexível ou autoritário, exigente ou liberal...
E este papel assumido, além de não ser garantia de que nos tornamos bons pais, nem sempre tem a ver com o modo como realmente sentimos, dentro de nós.
Bem nos lembrava J.A. Gaiarsa, em Minha Querida Mamãe (Ed. Gente), de que as famílias funcionam muito mais a partir das expectativas e imposições entre seus membros que da percepção de si mesmo e do outro. Definimos deveres recíprocos e isto nos poupa de olhar olho no olho, de prestar atenção na criatura que vive conosco, de observar se ela é feliz e se nós mesmos estamos felizes com o modo de vida que adotamos.
Pensamos, por exemplo, em proporcionar cultura, diplomas, bens, como sendo grande parte da função dos pais. E imaginamos que os bens e os diplomas que vamos deixar para ele vão substituir as inúmeras horas de convivência que passamos tensos ou indiferentes às suas necessidades. Contudo, pensando melhor, vemos que a posse de coisas e o saber acadêmico não substituem a realização interior que deve acompanhá-los, e que eles podem descobri-la conosco, observando nosso modo de lidar com nossos bens e conhecimentos. No entanto, como fazemos isto?...
E no relacionamento familiar? Será que interiorizamos clichês do tipo: mãe de verdade faz assim, pai que é pai jamais permitiria tal coisa? E economizamos nossa sensibilidade, tantas vezes embotada por falta de uso, aplicando jargões num terreno que é dos mais importantes de nossas vidas: na educação de nossas crianças. E ainda usamos tais frases, freqüentemente, acompanhadas de: que diriam nossos amigos ou vizinhos, se agíssemos diferente?
Talvez seja hora de nos preocuparmos menos com o que pensam os outros e de tentar compreender o que pensam os nossos filhos.
De entrar em contato com o que realmente sentimos ser bom para nós e para nossa família. De checar nossas crenças arraigadas e antigas, se todas continuam valendo.
De verificar que temos inseguranças e incertezas como qualquer ser humano e não precisamos ter vergonha de assumi-las abertamente.
Pais nem sempre tem razão. Pais podem eventualmente não saber que atitude tomar. Pais sempre podem pensar melhor sobre o que foi dito. Pais podem aprender algo com seus filhos. Podem reconsiderar sem perder a autoridade e o respeito.
Que neste 2002, se posso desejar isto, desejo que todos estes pais que vêm sofrendo para caberem num ideal de pai e de mãe onisciente e previdente, sempre seguro e dono da verdade, despertem para a verdade.
O preço mínimo desta ilusão é a hipocrisia e o distanciamento, e certamente não desejamos pagá-lo. Afinal, nossos filhos até podem encontrar ombros e ouvidos em muitos lugares, felizmente. Mas se lhes perguntássemos, saberíamos que eles prefeririam ter os ombros e ouvidos, a atenção, a compreensão e o carinho de seus pais...
Autor: Rita Foelker
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