Família nos dias de hoje


Costuma-se identificar a família com o casamento, como sendo um conjunto de pessoas ligadas a um casal, unidos pelo vínculo do matrimônio. Para o cristianismo, as únicas relações afetivas aceitáveis são as decorrentes do casamento entre um homem e uma mulher, configuração com nítido interesse na possibilidade de procriação. Essa conservadora cultura, levou a que a lei emprestasse juridicidade apenas ao matrimônio, instituição geradora de um vínculo indissolúvel. A perda da plena capacidade da mulher e a indispensabilidade de ela adotar os apelidos do marido mostram o significado que tinha o casamento. Duas pessoas fundiam-se numa só, formando uma unidade patrimonial, tendo o homem como único elemento identificador do núcleo familiar.
As funções da mulher se reduziam ao interior, historicamente sem voz nas decisões de seus próprios grupos familiares e sem influência nas suas manifestações. Não lograva acesso à informação, equiparava-se em dependência aos filhos menores, e sua figura era considerada perante à lei, incapaz. Este paradigma feminino por si representou a identificação polarizada de submissão na família, uma vez que lhe era absolutamente impossível prover seu sustento. Era nula como agente de produção econômica formal.
Hoje, a dinâmica das transformações impressas aos grupos familiares, deve ser revisitada sob a ótica da transformação dos papéis da mulher, quase unanimemente considerada a grande revolução do século XX.
A pensadora e feminista francesa Flora Tristan diz que os avanços sociais se operam em razão do progresso das mulheres no rumo da liberdade. De fato, grande parte dos avanços tecnológicos e sociais estão diretamente vinculados às funções da mulher na família e referendam a evolução caraterística da modernidade, confirmando verdadeira revolução no social. São eles : descoberta de contraceptivos eficazes, com planejamento familiar efetivo - fertilização manipulada - liberação do aborto - dessacralização da maternidade como imprescindível - dessacralização do casamento, com novas formas de conjugalidade - dissociação de sexo-afeto - implantação da educação equalitária, com respeito às diferenças - crescimento e divulgação dos movimentos feministas, “a mais longa das revoluções”, com leis avançadas, imbuídas de proteção à mulher e que minaram a hierarquização entre os gêneros.
A família moderna se constitui em um núcleo evoluído a partir do desgastado modelo clássico, matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonializado e heterossexual, centralizador de prole numerosa que conferia status ao casal e assegurava a continuidade da família como representante do legado de costumes e tradições da sociedade, os quais se considerava então impensável cambiar. O número de filhos também se ligava à garantia de perpetuação das individualidades familiares, já que as condições de assistência materno-infantil estavam longe do que hoje se dispõe. O ônus para a mãe, absorvida pelos cuidados da prole e freqüentes gestações, são fáceis de deduzir. Restavam-lhe os ganhos pelo atestado de fertilidade e capacidade, papel imprescindível à feminilidade daquela época. A educação das meninas era inteiramente voltada para estas funções, onde também se lhes transmitiam os conceitos de idealização da figura da mãe-mulher, em troca da observação incondicional aos ditames sociais autoritários ou da submissão ao marido-autoridade. Tudo se resumia neste âmbito, onde era introduzida ainda muito jovem.
À parte das vicissitudes inerentes à feminilidade, descritas pela Psicanálise, sem dúvida, a educação diferenciada que sempre se imprimiu à mulher, com ênfase na desvalorização, rigidez, vergonhas, temores, etc., dificultou em muito a reação e a crítica a esta tendência universal.
Com o advento dos contraceptivos liberou-se a mulher da imposição de tantas gestações e levou-a até eventualmente, a optar por não tê-las, permitindo a ampliação de seu círculo de interesses. É possível constatar hoje, em certas sociedades evoluídas e ricas - nas quais a participação feminina é ampla – um déficit relativo ao número de nascimentos, o que obriga as autoridades a incentivar políticas demográficas defensivas
O rápido avanço da tecnologia doméstica diretamente exigido pela vida moderna, também se tornou um coadjuvante na liberação da mulher frente ao cerceamento caseiro, aliás, objeto de uma depreciação e rechaço intrigantes, quando expresso por mulheres principalmente, a ponto de se impor outra vez, veladamente, a questão da hierarquia entre os gêneros, agora simbolizada pela avaliação de suas funções tradicionais. As concepções de êxito e competência para a mulher, por vezes, ainda se seduzem pelo estilo masculino. Inclusive partilhando do menosprezo pelo que até então foi considerado atributo exclusivamente da própria mulher ou ao que é a ela mais afeito.



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