Jesus Psicoterapeuta


Abstraindo-nos de qualquer sentimento religioso ou reverencial à figura histórica de Jesus, constatamos que a mensagem que nos legou possui inequívoca aplicabilidade ao homem de todas as épocas. Ela é atemporal.

Jesus foi o Mestre por excelência, não só por dominar todo o conhecimento teológico e escritural judaico de sua época, mas por evidenciar em sua doutrina o Evangelho, a Boa Nova, conhecimentos que transcendem a Filosofia, a Psicologia, a Pedagogia, a Sociologia etc. de nossos tempos. Ele responde às mais pungentes indagações filosóficas, ao mesmo tempo em que desvela a natureza humana e a maneira desta ser transformada para a construção de uma sociedade feliz, composta por indivíduos felizes, realizados. “O Reino de Deus está dentro de vós.”

Revelava assim a nossa natureza crística que nos cabe conhecer ou reconhecer, num encontro profundo conosco mesmo. É a descoberta da nossa verdadeira identidade espiritual, de seres eternos em busca da perfectibilidade. Jung, notável psiquiatra suíço, criador da “Psicologia Profunda”, identificava, já há algumas décadas, o principal arquétipo do homem, a que ele chamou de Self, a instância perfeita de nossa individualidade, que irradiando a sua energia pura, conduz o aperfeiçoamento da personalidade humana em sua marcha evolutiva.

Jesus representa, de alguma forma, o psicoterapeuta do gênero humano, de todos os homens. Sua mensagem vem, sobretudo, salvar-nos de nós mesmos, que insistimos em prestigiar o nosso lado sombrio (a sombra – outro arquétipo junguiano) pela adesão a falsos valores, ao egoísmo e ao orgulho, manifestações diretas do culto ao ego.

Por que a infelicidade se multiplica por toda a parte, hoje e desde o princípio da história, senão pela atitude do homem que elege o ter em detrimento do ser, optando pelo efêmero e as aparências, esquecendo o que é eterno e essencial?

Por que o brasileiro, antes considerado um povo cordial, hoje possui uma das sociedades mais violentas do mundo? A resposta está na nossa adesão ao consumismo voraz, insaciável e a um individualismo insensível. Onde estão os valores de solidariedade e afetividade dos nossos avós? Onde a amizade, a simplicidade, o respeito, a tolerância que nos caracterizavam como povo? O Brasil foi engolfado pelo pior da globalização, cuja teoria econômica repousa no capitalismo selvagem e no individualismo socialmente irresponsável, que nos faz regredir aos primitivos tempos da nossa organização social. A sua inconsistência, em todos os aspectos, fica patente por esta crise econômica mundial em que estamos submersos, se já não o fosse pela fome que acomete mais da metade do Planeta.

León Denis, iluminado filósofo espírita, antecipando-se aos tempos que vivemos, já dizia em seu livro O Problema do Ser do Destino e da Dor: “A filosofia da escola, depois de tantos séculos de estudo e de labor, é ainda uma doutrina sem luz, sem calor, sem vida. (...) Daí o desânimo precoce e o pessimismo dissolvente, moléstias das sociedades decadentes, ameaças terríveis para o futuro, a que se junta o ceticismo amargo e zombeteiro de tantos moços da nossa época; em nada mais crêem do que na riqueza, nada mais honram que o êxito.”

Jesus veio nos salvar desta opção pela infelicidade, mostrando-nos a nossa filiação divina e nossa destinação gloriosa. Ele mesmo foi o protótipo do homem realizado, conectado com o seu Self, iluminado pelo Deus interior, fagulha divina que somos todos nós. Dele falam os Evangelhos: sabia ensinar e falar “com poder e com toda autoridade”. “Ficavam todos convencidos daquilo que ele dizia” (Mc 1,22) “porque dele saia uma força que curava todos os males” (Lc 6,19). Sua terapia era a sua doutrina de amor e seu instrumento terapêutico a sua própria personalidade.

Jesus obviamente não foi um psicoterapeuta como modernamente entendemos, no sentido de tratar traumas e neuroses e transtornos de personalidade, mesmo porque não dispunha na época destes recursos conceituais. Ele o foi no sentido lato, mas profundo, pois conhecia plenamente os processos psíquicos construtivos e destrutivos da vida. Ele detinha as qualidades precípuas do terapeuta, pois quem mais senão ele atingiu a integração da personalidade, a identidade e a individuação? Jung frisa que o próprio terapeuta é o próprio método ou a própria terapia. Nenhum terapeuta pode ultrapassar a si próprio na terapia.

No Livro dos Espíritos, obra básica de Allan Kardec, este assim faz a pergunta nº 625 aos espíritos: “Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem para lhe servir de guia e modelo?” Resposta: “Jesus.”
Simples assim. Assim é que Jesus vem a ser o paradigma, o terapeuta imortal que através dos séculos temos buscado na nossa ânsia de libertação, de felicidade. Mas como tem sido mal interpretado! As interpretações dogmáticas de sua doutrina têm-se constituído em verdadeira camisa de força a desnaturá-la e limitá-la.

Em outra pergunta, a 621, indaga-se: “Onde está escrita a lei de Deus?” Resposta: “Na consciência.” Jesus vem a ser, portanto, o nosso guia para adentrarmos os caminhos do nosso interior psicológico, no processo de integração de nossa personalidade, descoberta de nossa autêntica identidade e conseqüente individuação, ou crescimento, ou evolução psicoespiritual. Isso só acontece pela vivência da lei de Deus, insculpida que está na intimidade de nossa própria consciência. E a lei de Deus, já nos ensinava o Mestre incomparável, é a vivência do amor em suas manifestações mais puras de solidariedade, cooperação, tolerância e fraternidade para com o próximo.

Luiz Antonio de Paiva é psiquiatra e vice-presidente da Associação Médica Espírita de Goiás

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