O casamento...

Será contrário à lei da Natureza o casamento,
isto é, a união permanente de dois seres?
“È um progresso na marcha da Humanidade.”
“O Livro dos Espíritos”, item 695

Como se vê, pela pergunta do Codificador, casamento para ele não era um ato formal levado a efeito perante as leis da sociedade, nem uma bênção sacerdotal dada numa solenidade religiosa. Depreende-se da sua pergunta que ele entendia que casamento é um compromisso livremente assumido por dois Espíritos, perante o altar de suas consciências.
    A alguns pode parecer estranha a presença do adjetivo permanente no contexto, o que parece contrariar o exercício do livre-arbítrio. Mas a dúvida se desfaz quando se atenta para prosseguimento do diálogo mantido entre Kardec e os Espíritos, registrado no item 697: Está na lei da Natureza, ou somente na lei humana, a indissolubilidade absoluta do casamento? Ao que os Espíritos responderam: “É uma lei humana muito contrária à da Natureza. Mas os homens podem modificar suas leis; só as da Natureza são imutáveis”.
   Kardec, com a sua visão voltada para o futuro, anteviu o questionamento sério a que seria submetido o casamento nas décadas vindouras, e, querendo que ficasse registrada a opinião dos Espíritos Superiores, formula ainda a seguinte pergunta: Que efeito teria sobre a sociedade humana a abolição do casamento? A resposta não deixa dúvidas quanto à vinculação do casamento à lei Natureza: “Seria uma regressão à vida dos animais”.
    Pelo visto, depreende-se que a expressão permanente, nesse contexto, significa com perspectivas de permanência, isto é, que não se trata de uma união fortuita, baseada apenas num impulso passageiro, mas no amor. E quando há realmente amor, o casamento não acaba. Se acaba, pelo menos um dos dois não experimentou realmente o amor,  pois o verbo amar só tem pretérito na gramática...
    Conforme se vê, casamento, na conceituação do Codificador e dos Espíritos que lhe responderam as perguntas, está muito acima de qualquer bênção religiosa ou da assinatura de qualquer documento diante de uma autoridade civil. Trata-se de uma sociedade conjugal, estabelecida pelo próprio casal, num plano eminentemente moral, ético. É compromisso sagrado, que leva um a ver no outro o próximo mais próximo.
    À medida que o tempo passa, mais se evidencia o avanço do pensamento do Codificador em relação aos seus contemporâneos, pois o casamento tem perdido, ao longo dos anos, o caráter de ato social, religioso, passando a ser conceituado e respeitado como ato pessoal, íntimo. Atualmente, um casal se impõe perante a sociedade como legitimamente constituído, não mais por ter sido o seu compromisso matrimonial assumido num templo, mas sim pelo ambiente de respeito e seriedade em que ambos vivenciam a união.
    Além do mais, quem é que dá a um homem o direito de estabelecer esse vínculo sagrado entre duas pessoas, e de dizer, ao final da cerimônia: “O que Deus uniu, o homem não separe”? Casamento não depende de nada exterior, de nenhuma ação alheia aos dois. As duas criaturas se casam, pois ninguém tem o poder de estabelecer vínculos entre elas. Na gramática, aprende-se que o verbo casar pode, entres outros regimes, ser transitivo, mas filosoficamente essa classificação é falsa. Poder-se-ia dizer que o verbo é recíproco, pelo fato de as pessoas se casarem, sem a interveniência de ninguém.
    Nem o Juiz de Paz promove o casamento. Essa Autoridade apenas registra nos anais da sociedade, para os efeitos legais, o casamento que é diante dela declarado.
    Com esse entendimento, conclui-se que o casal espírita apresenta-se diante da autoridade civil apenas para declarar o seu casamento, solicitando seja ele registrado, e não para receber qualquer tipo de legitimação. A legitimidade do casamento é dada pelo grau de responsabilidade e de amor que presidiu a formação do casal.
    Quanto mais espiritualizado o casal, mais o casamento transcende os limites da vida material, atingindo níveis de consciência espiritual, o que leva naturalmente ao desejo de uma comunhão com o Alto, através de uma prece, que poderá ser proferida por um ou por ambos os nubentes, ou por alguém afetivamente ligado a eles, pois só o amor pode legitimar a condição de alguém na condição de suplicante de bênçãos sobre uma união matrimonial.
José Passini
Juiz de Fora
 
 

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